Entrevista Kiko Loureiro – por Rafael Nery

Entrevista publicada em julho de 2007 no site guitar-clinic.net

Rafael Nery: Olá Kiko, como você está? Obrigado por nos conceder esta entrevista. Vamos começar falando do seu começo na música/guitarra. Como era estudar guitarra há quase 20 anos atrás? Quem foram seus grandes heróis do instrumento? Qual a diferença entre aquela época e os dias atuais para um estudante de guitarra?

Kiko Loureiro: Então, eu comecei tocando violão quando tinha 11 anos, isso há quase 20 anos. Estou com 34, 23 anos tocando e 20 tocando guitarra. Com 13 para 14 anos, minha mãe me deu uma guitarra. Eu comecei a tocar porque minha irmã tocava violão e fazia aula em casa, (algo) normal na época, o professor dava aula no meu prédio e minha irmã resolveu fazer aulas, só que ela começou a ficar cansada e queria fazer só meia hora de aula e minha mãe falou para eu fazer a outra meia hora, e acabei gostando meio que por acaso. No começo você fica meio cansado porque não consegue tocar as músicas direito, não consegue fazer pestana, aí começa encher o saco e querer fazer outras coisas. Mas eu passei dessa fase que é ruim mesmo pra quem está começando, quando você percebe que ainda falta muito pra tocar legal. Eu consegui passar dessa fase e comecei a tocar umas pecinhas clássicas, uns acordes e tal, daí peguei gosto pelo negócio. Aí meus pais viram que eu estava gostando, me dedicando, eu tocava o que o professor passava desde peças clássicas a Roberto Carlos, só que eu já estava começando a ouvir rock e heavy metal e logo em seguida teve o Kiss no Brasil, teve o Rock in Rio em 85, um tempo legal e ainda no final da ditadura militar. O Rock in Rio foi uma febre, eu não fui, mas vi uns trechos na televisão.

O empresário fez um evento de uma semana que todo equipamento que estava sendo usado era tudo gringo porque não tinha nem PA, palco, todo o esquema era totalmente fora dos padrões do Brasil na época. Ele trouxe caras como o Queen, o Yes, o Ozzy, Whitesnake, Scorpions, o AC/DC, George Benson, James Taylor, grupos assim que eram tops e de heavy metal tinha o Iron Maiden na época do Powerslave, a melhor época da banda. Isso mexeu com a cabeça dos adolescentes da época. Hoje em dia tem show toda semana, então fica mais disperso. Mas na época foi uma coisa forte. Os programas de vídeo clipe começaram a passar mais vídeos dessas bandas, falando na televisão, você começa a ficar meio tomado por aquilo. Eu estava começando a ouvir direto o Iron Maiden, em especial o Powerslave, e outras bandas. Eu tinha no meu colégio, no Rio Branco, uma biblioteca que tinha discos pra emprestar e eu comecei a pegar bandas como Iron Maiden, Deep Purple, Led Zeppelin, Pink Floyd e etc para conhecer mais de rock e heavy metal. Depois, comecei a comprar meus próprios discos. Então eu passei pra guitarra, o caminho era esse, porque eu tocava violão clássico em casa e ouvia Iron Maiden e tinha umas bandas mais pesadas, era o começo do Thrash Metal, tinha Slayer e Venom, que foi a primeira banda internacional que eu fui ver, eu sai logo no começo do show porque eu não achei lá aquelas coisas, mas tudo bem!(risos), foi o primeiro. Com direito a cacetete da polícia na fila, tipo jogo de futebol, tipo você está na fila e vem a polícia pra mostrar quem manda e tal, o que acontece até hoje em jogo de futebol. Então eu comecei a ir aos shows que aconteciam por aqui em SP, de bandas tipo “Chave do Sol”, “Centúrias” e etc, dessas bandas todas a única que está na ativa até hoje é o Korzus. Então essa foi a minha formação, ouvindo essas bandas de heavy metal. Na minha casa meus pais ouviam música erudita e eu acabava ouvindo por tabela, não que eles fossem grandes conhecedores, mas conheciam um pouquinho, e minha mãe gostava de MPB, então eu tinha essa coisa de “Os grandes músicos são os da MPB”, tinha aquela coisa de “Tudo bem, o heavy metal é legal mas os grandes músicos são os da MPB”, não que ela falasse, mas tinha aquela coisa de “Grandes poetas, gênios da música são os caras da MPB”.

Ainda morava no mesmo prédio do Tom Zé que é o cara da Tropicália, ou seja, o cara que eu pegava elevador junto, eu tinha o disco dele em casa, então isso te deixa com um grande respeito com a MPB. Quando eu tocava violão ficava tentado fazer aqueles acordes difíceis da MPB, para tocar aquilo como algo obrigatório que brasileiro precisa saber. E ao mesmo tempo, eu pegava o disco do Metallica ou do Iron Maiden para ouvir. Depois com uns 14 anos, eu fui ter aula de guitarra mesmo, então eu aprendi a tocar uns trechos da música do Jimi Hendrix, do Van Halen e foi quando apareceu o Malmsteen e toda febre do Racer X…

Rafael Nery: Isso é até engraçado porque todos os nossos entrevistados até agora, colocam o Van Halen como grande influência na carreira…

Kiko Loureiro: É, eu não sei quantos anos eles tem, mas o Greg é mais velho do que eu, porque eu estava na fase dos 15 anos e ele já estava com o primeiro disco. O Richie Kotzen provavelmente era moleque, eles devem ter uns 4 ou 5 anos a mais que eu. Então pegaram o Van Halen quando ele estava crescendo, porque além de ser um grande guitarrista ele estava numa banda que vendia milhões, o que não é o caso do Steve Vai, talvez seja o caso do Jimmy Page.

Além disso, ele fazia as guitarras dele e criou um Design, uma forma, guitarra com um captador só, o lance da alavanca que apareceu… A mudança com ele foi fenomenal. Por isso, quem estava vivendo isso, e ainda mais nos Estados Unidos, deve ter sofrido um impacto maior ainda. O meu foi tipo, muito legal, mas eu o achava tão bom quanto Malmsteen, e também já tinha o Randy Rhoads, e talvez eu achasse que o Dave Murray era um super guitarrista, como eu estava começando a aprender, os solos do Iron Maiden eram tão difíceis quanto os do Van Halen.

O meu professor, que era um pouco mais velho, era muito fã do Van Halen e me colocava Van Halen, Hendrix e Page, tipo como “Você precisa aprender esses três caras”. Então eu comecei aprender guitarra, tocando trechos de solo deles, o que me fez ouvir a música deles, vídeos e tudo o mais.

Era muito difícil, já que eu não tinha família que ia pros Estados Unidos ou na Disney e etc… Eu tinha uns amigos que iam, e eles voltavam com Vinil importado legal, ou um VHS de um show novo do Van Halen e eu não tinha nada disso.

Então eu xerocava alguns livros de partitura, copiava algumas fitas de vídeo aula e ia até o centro procurar revistas japonesas, que vinham com partituras super boas e na época, os caras estavam em cima do Malmsteen, aliás, até hoje o mercado japonês é em cima dos guitarristas mais técnicos. Eu ia à Liberdade procurar, mas era uma ou outra que eu achava.

Eu entrei no IG&T, que não é esse que é hoje, era o de quando eu tinha 15 anos de idade, e abriu essa escola de guitarra. Eu fui lá ter aula, mas a escola durou só um ano e faliu. Foi lá que eu conheci o Faísca, o Índio que é um guitarrista super bom e que está por aí ainda, o Wesley que tem um monte de vídeo aula de curso de guitarra. Lá eu entrei no nível intermediário, porque eu já estava tocando há mais ou menos um ou dois anos. Consegui passar para o último nível, apesar de que só tinham três (risos). O Ardanuy estudou um pouco lá, eu também conheci o Sandro Haick e mais algumas pessoas, mas o principal foi ter conhecido o Mozart Mello. Também conheci o Zé Renato com qual eu fui tentar ter aula em dupla na casa do Mozart, não tinha nem vaga na época, aí eu já estava com uns 16 anos mais ou menos, e foi assim que comecei a estudar pra valer.

Rafael Nery: Você tocou em outras bandas antes do Angra, como a banda “A chave”, por favor nos conte a respeito e o que isso somou à sua carreira.

Kiko Loureiro: Então o que aconteceu é que eu estava fazendo aula com o Mozart mais ou menos em 88 e 89, eu estava com 16 anos. Em 89, eu estava no último ano do colégio e eu tinha algumas bandas com uns amigos do bairro. Terminei o colégio no Rio Branco e aí eu comecei a tocar com essa banda. O Eduzinho (Eduardo Ardanuy) era quem tocava nessa banda “A Chave”, e ele saiu fora, não sei o porquê, talvez já por causa do Dr. Sin, e me indicou. O cara da banda me chamou pra tocar com eles. Ensaiamos, fizemos alguns shows, mas não chegamos a gravar nada. “A Chave” até que já tinha um certo nome. Fizemos alguns shows em São Paulo até que com um público bom, cerca de 500 pessoas.

Nessa mesma época o Rafael (Bittencourt) ficou sabendo que eu tocava bem e foi na minha casa com os integrantes da banda que eram o Marco Antunes (primeiro baterista do Angra), o Carlos Zara que está morando na Itália agora e nos encontramos na nossa última turnê mês passado, o baixista e mais um tecladista, o Reinaldo. Nós ensaiamos com essa banda, mas não fizemos nenhum show. Essa banda serviu pra eu conhecer o Rafael.

Depois da “A Chave” surgiu o Dominó (Uma banda estilo N’sync/Bsb com jovens que cantavam e dançavam) os integrantes da banda gostavam de heavy metal, de rock e queriam fazer uma banda ao vivo, porque a ideia de playback estava em baixa. Eles me viram tocando e me chamaram. Nessa época, com uns 15/16 anos eu já estava dando aula pra algumas pessoas. Aí eu fui tocar com o Dominó. Fiquei quase um ano tocando com eles, que eram o Fábio Ribeiro (ex-tecladista do Shaman), o Marco Antunes e o baixista Richard, foi bom pra caramba, apesar do som não ser grande coisa. Além de ganhar um dinheiro, fazíamos shows lotados. Tocávamos pra quase cinco, dez mil pessoas em Festas de Peão de Boiadeiro, além de pegar voo e tocar em lugares pelo Brasil, em cidades do interior do Mato Grosso. Isso foi uma super experiência.

Depois eu fui tocar com o Supla, quase no mesmo caso. Era o Edu que tocava e ele resolveu sair e me indicou novamente. Eu chamei o Ricardo Confessori e o Luis Mariutti que tocavam comigo na época da demo do Angra. E foi nessa época que eu conheci o Ricardo e depois eu chamei pra ele entrar no Angra. O Supla resolveu chamar o Edu de volta e no final a banda ficou comigo, com o Luis, com o Ricardo e com o Eduzinho. Isso eu tinha uns 19/20 anos.

Rafael Nery: Você já chegou a cursar faculdade de música? Se não, com quem você estudou? Qual sua posição em relação à faculdade? Você acha necessário para um Músico?

Kiko Loureiro: Então, na época eu entrei na USP, fiz um pouco e acabei saindo. Eu quis fazer biologia, estava meio naquela de “O que eu vou fazer”. Fiz quase dois anos. Eu não levava muito a sério, por que não largava a música e nem me dedicava na faculdade. Na época da gravação do Angels Cry, em 93, eu perdi um monte de provas e resolvi sair fora. Na UNESP eu entrei na faculdade de Música, mas não gostei na época, era Composição e Regência. Eu queria tocar guitarra e não ficar sentado em uma sala lendo sobre a história da Música. Na faculdade começa com assuntos simples e desinteressantes. As harmonias eram super simples e eu já tocava Jazz e música brasileira com o Mozart Mello. Você entra na faculdade querendo aprender assuntos novos e complicados. Desencanei e resolvi sair.

Não sei hoje como isso é nas faculdades de música. Meu irmão fez faculdade, estudou música, mas fez música popular e guitarra, mas aí já é outro papo. Estudar música é importante, mas você tem sempre que estar ligado ao que você toca. Se você conseguir ter tempo de tocar, estudar o seu instrumento e ainda fazer faculdade, melhor. Aí você vai ter desenvoltura no seu instrumento e na parte teórica. Mas é um erro achar que só a parte teórica basta. A teoria vem sempre depois do que nós tocamos, e não antes. A teoria é formada em cima daquilo que alguém já fez como música e não ao contrário. Não é como experimentos empíricos na física, que alguém faz experimentos pra ver o que acontece, na música não, por exemplo: o Wagner toca de um certo jeito sua composição, então o pessoal tem que colocar na regra. Ficou bonito, vira regra. Pode aquilo. As pessoas confundem as coisas, achando que só ficar na teoria basta pra ser um bom instrumentista, mas aí cai em um problema, né?

Rafael Nery: Uma coisa é você estudar música numa sala de aula, e outra é você subir num palco para tocar.

Kiko Loureiro: Exatamente! Se você conseguir ter os dois, ter uma banda, onde você tem um trabalho tocando e ainda pode se dar ao luxo de ficar umas 4 horas dentro de uma sala ouvindo pessoas teóricas, melhor. Aí você vai pegar os dois lados. Eu tive muita aula de teoria, eu sempre gostei da parte matemática da música. Eu estudei bastante com o Mozart Mello e na faculdade lendo livros. Eu deixei a faculdade, mas fui fazer aula com um dos professores, na verdade eu deixei a faculdade por que eu estava achando que o tempo… Eu estudava na Unesp, escola estadual, e sempre tinha greve e eu tinha que ficar esperando e não tinha muita paciência. Aí eu achei melhor pegar umas aulas particulares com quem podia me ensinar aquela matéria da faculdade de um jeito mais direto e não tão abrangente, sem ter que fazer provas e esperando 20 caras aprender o mesmo que você, seguindo o ritmo de uma sala, entendeu? E me ajudou, eu aprendi os conceitos de contraponto, fiquei mais interessado em aprender história da música, arranjo, composição. Não como um cara que tenha feito seis anos de faculdade, mas eu tive ali um embrião pra poder ler os livros do assunto com mais base.

Rafael Nery: Ainda bem jovem você recebeu o convite para tocar no Angra, ao lado do André Matos, que já era reconhecido na época. Como apareceu o Convite? E como era trabalhar com o Angra no começo?

Kiko Loureiro: Então, eu era amigo do Rafael, como eu já falei. Eu já o conhecia desta outra banda que nós tínhamos. O Angra, quando começou, eu ainda não estava. Foram o Rafael e o André que começaram na faculdade. Tinha um outro guitarrista que era da faculdade também que era o André…Não lembro o sobrenome, acho que era Biloide, não sei se era o sobrenome ou apelido. Eles eram fãs de Helloween, de heavy metal. O André tinha saído do Viper e já tinha um certo nome, o Rafael tinha essa ideia da banda e tinha esse outro guitarrista que estava na faculdade também, mas eu acho que o projeto não saiu desse outro guitarrista. Quando aconteceu a banda mesmo em si, naquela de “Vamos tocar” eles chamaram o André Hernandes que na época também estava no meio do pessoal que já se conhecia. Acredito que hoje ainda tenha essa coisa do pessoal que estuda se conhecer e saber quem está tocando bem, no Souza Lima e no Em&t. Então, naquela época tinham outras pessoas, o Ulisses que dá aula no Souza lima, que toca muito bem era um, dessa turma. Eu lembro de ir na casa dele, de tocar, de conhecer o cara que falam que toca muito bem, porque na época não existiam essas grandes escolas que existem hoje. Você tinha que ouvir falar e conhecer ou ver um show da banda. Então Tinha o André (guitarrista), e o Rafael o chamou porque tinha alguma amizade, não lembro direito, mas duraram dias, semanas…Não sei direito, porque foi uma época meio conturbada. Mas foi antes de gravar a demo. Foi durante a fixação de algumas músicas. Algumas das músicas desta demo eu já tocava na banda do Rafael naquela primeira banda, que o baterista também estava no Angra nessa época, aí eles resolveram me chamar.

Daí estavam três pessoas daquela banda da época que eu tinha 17 anos, ali eu já estava com 19 anos, e ainda tinha o André e o Luis que era colega de colégio do Rafael. E aí começou o Angra. A gente tocou as músicas, meio que a maioria era do Rafael mesmo, o embrião da banda veio do Rafael e tinha uma música ou outra do André. Tinha Carry on, que era do André e acho que só, talvez alguma parceria em alguma letra não sei exatamente, isso na demo. Depois ele fez a Streets of Tomorrow, que é dele. O Luis veio com a ideia de gravar a Wuthering Heights, da Kate Bush. Minha participação no primeiro disco foi na parte instrumental, em alguns riffs, mas se for olhar mesmo eu não participei muito das composições, porque quando eu entrei já tinham muitas músicas. Isso foi no ano de 92, eu estava com 20 anos. Nesse ano gravamos duas demos. Uma que anda por aí, que fizeram uma versão pirata em CD, azulzinho, que foi criado originalmente em fita cassete com quinhentas cópias. Nós mandamos essa demo para as gravadoras e depois gravamos uma outra demo que vazou, que já tinha a Wuthering Heights, a Streets Of Tomorrow e a Never Understand nessa outra demo, mas que nós não vendemos como na primeira, que como outras bandas, vendíamos pra tentar recuperar o dinheiro que tínhamos gasto no estúdio. Aí a gente conseguiu contrato com a JVC em 93, um ano e meio depois fomos pra Alemanha gravar.

Rafael Nery: Como foi gravar o primeiro disco da Angra? Qual a diferença entre gravar um álbum hoje e no começo de sua carreira em relação à experiência, equipamentos e etc.

Kiko Loureiro: Ah! É bem diferente, né? 15 anos depois, gravar um disco depois de ter gravado vários, além de já ter viajado bastante. Eu acabei de voltar da Europa viajando sozinho e sem problemas, pegando voo, trem, o que for você se vira, porque você já fala a língua, já entende tudo. Na época não, a gente foi pra Alemanha, sozinhos, primeira vez na Europa. Fomos pra um estúdio que achamos que seria um estúdio mega, mas era apenas um estúdio normal. Foi Difícil. Em uma cidade fria pra caramba, escura, não conhecíamos ninguém, todo mundo falando alemão. Não existiam coisas como televisão com duzentos canais, eram apenas cinco todos em alemão. Até existia, mas no lugar não tinha. Foi difícil ter segurança pra achar “Não, eu sei tocar”. Pegamos um produtor super duro. No Brasil, a gente era a banda que era falada em rodinhas, falavam que éramos super bons, mas na realidade não éramos tudo isso. Se nós íamos ao Black Jack nós éramos uma banda de caras novos com 19 e 20 anos que era uma das melhores que existiam.

O Angra tinha o André, que era considerado o melhor cantor porque já tinha gravado com o Viper. Eu já era um pouco conhecido, porque já tinha gravado a Vídeo Aula, e que tinha se espalhado pelo Brasil, além de tocar na feira de música. O Luis era de uma banda chamada Firebox, que era meio Motorhead, com pessoas que tocavam super bem. O Rafael não era conhecido da galera, mas tinha toda uma aura em cima dele pela faculdade, de ser compositor e idealizador da banda. O Marquinho, o baterista, era conhecido pela mesma galera, porque ele já tinha tocado comigo em alguns lugares. Então, éramos considerados uma banda de meninos promissores.

Quando fomos para Alemanha foi muito difícil, porque o produtor falou que a gente não sabia tocar nada. O produtor era muito bom, nos ajudou muito. Ele gostava bastante dos solos, já que nossa especialidade era isso, a composição, a voz e interpretação do André, que para eles era algo muito diferente. Nós não tínhamos experiência de estúdio, então foi muito difícil. A gente foi conhecer o que era o mercado profissional. Foram três meses de sofrimento, mas vendo o resultado nascer.

Rafael Nery: Holy Land, sem dúvida, é um dos discos mais inovadores do Heavy Metal Melódico, e o Angra desde muito novo já usava elementos brasileiros. Nos conte como foi o processo de composição desse álbum e como foi a aceitação do público na época.

Kiko Loureiro: O lance da música brasileira sempre existiu. Tanto em mim, como no Rafael e no André. O Luis era mais “Metalzão”, mas o Rafael e o André sempre gostaram e eram conhecedores de música brasileira. Pode conversar com os dois para comprovar o que eu digo. O Ricardo sempre foi um cara muito interessado nestas misturas, ele que trouxe a levada da “Nothing to Say” e outras coisas sutis que existem no álbum como elementos da música latina. A introdução da Z.I.T.O. que é a Cáscara da Salsa e que poucas pessoas conseguem reconhecer.

Nós fomos para um sítio da família do Rafael e ficamos lá tocando e discutindo as ideias. E aí saiu o disco, com essa vontade de fazer essa mistura com música brasileira. Depois que você viaja pra fora, você começa a reconhecer esse legado da música brasileira na música que nós tocamos. Temos que deixar aflorar mais. Uma coisa natural. A importância individual disso, é falar da música brasileira quando você viaja, assim como tantos outros artistas brasileiros que foram pra fora e levaram a música brasileira, desde Villa Lobos, Baden Powell, entre outros. Então quando você está fora do país, se sente na obrigação de falar que é do Brasil e com orgulho da nossa cultura também. Quando você toca você fala “Deixa-me tocar mais música brasileira, é isso que eu gosto e é isso que eu sou”.

Por exemplo, você vai gravar um disco de heavy metal na Alemanha, você vai descobrir que você nunca vai tocar do mesmo jeito que os alemães. Você nunca vai fazer uma palhetada do mesmo jeito que os músicos do Helloween fazem. Você vai fazer diferente. Ou você aceita isso e acha “O jeito que eu faço é bom e diferente, não é nem melhor nem pior. É bom também e isso vai ser minha identidade”, ou você vai tentar tocar como eles… Você nunca vai tocar. Então a gente resolveu abraçar o que nós éramos e saiu o disco Holy Land que foi muito bem aceito na Europa e ainda é até hoje. É o disco mais falado do Angra. Foi o que levantou o Angra na França, na Itália, nos países latinos. No Japão, eles tinham aquela coisa do Angra ser meio Helloween, no Angels Cry, com alguma coisa diferente. Eles levaram um susto no começo, mas logo depois eles entenderam e hoje em dia, o Holy Land é um disco bem conceituado.

E mesmo no Brasil é super falado. Na época, falavam que nós estávamos fazendo Axé Metal porque o Axé era a coisa popular que mais existia na época. O ano de 1996 foi o auge no Pagode e do Axé no Brasil e era a coisa mais irritante possível, pois estava em todos os meios de comunicação e quando você vem fazendo um Heavy Metal com elementos que estão nessas músicas como, por exemplo, a Carolina IV que tem uma levada do Olodum, naquela época foi estranho. Alguns falavam que nós estávamos tocando novamente Axé Metal, que gostávamos de Daniela Mercury e Só pra Contrariar. Mas o disco tinha um puta valor musical, tanto que ele durou. Os anos passaram e ele aí. Então até mesmo o fã brasileiro acabou respeitando. Na turnê do disco nós tocávamos percussão das músicas lá na Bahia e não queríamos nem saber. Porque o rockeiro baiano é o cara que realmente vai ter ódio se você pegar e tocar timbalada no show de heavy metal, porque o cara vive cercado disso. Mesmo assim a gente foi lá e fez. Você precisa ter identidade e acreditar no que está fazendo.

Rafael Nery: Com certeza é isso que fez com que o Angra fosse respeitado no mundo como uma banda única…

Kiko Loureiro: É, deu uma boa diferenciada, né? Tinha o Sepultura que também tinha o seu jeito de fazer uma percussão tribal, mas era diferente. Nós resgatamos não só os elementos de percussão brasileira, mas também a harmonia, a melodia e a poética do Brasil, as formas de fazer as letras, a ideia da capa e outras coisas que eram totalmente diferente do Heavy Metal. A própria capa do Angels Cry e do Holy Land era uma coisa anti-heavy metal, mas depois várias bandas começaram a colocar anjos ou uma postura mais calma na capa de seus discos. Isso, em uma época em que o Thrash estava em alta…em 91, 92 era a época do Black Album (Metallica) e do Pantera com uma capa onde um cara levava um soco na cara, o Vulgar Display of Power. Era essa a onda. Nós viemos com essa ideia de uma capa calma. O Holy Land então nem se fala. Uma capa bege com um mapa. Mas tinha todo um porque, né!? E aí, quando você faz uma obra de arte baseada no que você quer, nos seus motivos, as pessoas conseguem enxergar isso e elas começam a acreditar em você e na sua música.

Rafael Nery: Nos conte qual é a principal diferença em trabalhar com o Novo Angra e a formação Original.

Kiko Loureiro: São pessoas diferentes né!? Isso faz com que mude bastante. No outro Angra, individualmente, era diferente do atual, novamente porque são pessoas diferentes. Fica difícil de falar. Vivemos muitos anos juntos, então são várias fases diferentes de pessoas. O jeito que nós convivíamos em 1992, é diferente de como convivíamos em 1997 ou 1999. O Angra quando trocou a formação, recebeu pessoas que tinham um gás novo e que estavam entrando em uma banda já com um certo nome. Traziam novas perspectivas de vida e novos sonhos. E eu e o Rafael já com uma história vivida, juntamos essas forças pra reconstruir a banda de uma forma que nunca foi vista, tendo três integrantes novos e mesmo assim conseguir manter ou até mesmo crescer no mercado ou manter o mesmo carisma. Tudo isso foi conseguido com muito trabalho. Foi difícil se adaptar e tudo mais. Mas foi bom. A forma de trabalho é parecida, o lance de gravar na Alemanha continua, trocamos de produtor. A forma de composição continua mais ou menos parecida. Não musicalmente, mas a forma que a gente produz a música. A gente senta e discute de forma democrática como sempre foi feita na primeira formação. Então todo mundo opina nas músicas, na capa e tudo mais. Essas formas são parecidas, mas as pessoas são diferentes.

Rafael Nery: Os Novos Álbuns do Angra tem apresentado cada vez mais uma sonoridade diferente do que banda fazia, principalmente no início, apesar de ter sido conservado alguns elementos. Como você vê essa mudança? É baseada da ideia de tentar inovar sempre?

Kiko Loureiro: Os álbuns não se parecem por vários aspectos. Primeiro porque você não pode comparar discos com 15 anos de diferença. A nossa mentalidade com a experiência e tudo mais, muda. O desejo de tocar e de não ficar repetindo. A gente já tem este conceito. São outras três pessoas tocando, outro produtor, outro estúdio, tudo mudou, ou seja, lógico que o som mudou também. A forma de gravação mudou também, quando a gente gravou do Angels Cry até o Fireworks, foi tudo com fita rolo. Hoje em dia ninguém pode falar de fita rolo, que as pessoas dão risada, agora é tudo gravado em pro tools. O Pro tools tem muita diferença, não só o nome, mas a forma de gravar e a expectativa de um público que ouve a música, que nasceu e já ouve músicas gravadas em pro tools. O público que ouve Angra hoje, que tem mais ou menos 15 anos, já cresceu ouvindo tudo gravado em pro tools. É diferente, no começo que a gente gravou em rolo, é outro parâmetro de perfeição, de som e etc.

Rafael Nery: Dirigindo-se a sua carreira solo, podemos ver em “No Gravity” músicas influenciadas por músicos como Joe Satriani, Steve Vai dentre outros, porém conseguimos ver claramente a sua identidade musical em vários pontos, como você encara isso?

Kiko Loureiro: Para mim é um elogio, porque quando a gente estuda música e fica ouvindo as pessoas mais velhas, as pessoas mais experientes falarem: “Não, você tem que procurar sua própria voz, seu próprio estilo”, e aquele papo todo. Então, as influências estão ali sempre e às vezes você propositalmente deixa que elas apareçam mesmo. Eu não tenho medo nenhum de fazer uma música parecida com Joe Satriani, afinal, eu adoro. Oh! A frase parece com a do Steve Vai, lógico. Mas o bom, é que na outra música, o cara ouça e fale “Essa lembra a melodia do Pixinguinha”. E assim que vai formando o jeito que você vai tocar. É como falar, você aprende copiando o que seus pais e os outros falam. E isso aí não é um segredo, é uma coisa que acontece com qualquer músico, principalmente quando ele se preocupa muito com isso. Se ele não se preocupar em ficar copiando 100% dos que os outros tocam, ou se fixar em um músico só e ficar aquela coisa meio de “idolatria”, vai ser uma coisa natural! Ficar tocando com pessoas diferentes, em situações diferentes, vai ser natural… Quando ele for tocar, vai ter seu próprio jeito de tocar.

Assim como ao falar, você vai copiando, mas quando você for falar, as pessoas vão reconhecer que é você quem está falando. E isso vai estar na sua música, se você é um cara ansioso, um cara calmo, se você é alegre ou triste, o que seja, as suas influências e tudo o mais que você ouviu, vai estar ali no jeito de você tocar, então é tudo uma questão de tempo e de você se colocar em uma situação que vai prosperar. Por exemplo, você vai ter que tocar com pessoas diferentes, ouvir sons diferentes para não ficar numa coisa só. Tem cara que fica só idolatrando, por exemplo, o cara idolatra Steve Vai, o cara vai ficar tocando tanto que quando ele sola, parece o Steve Vai, só que nunca vai ser igual ao Steve Vai, se fosse para isso o Steve Vai não tocava, isso é um problema. Mas geralmente, nunca são caras muito experientes, se você pegar um cara mais experiente, geralmente ele vai ter um jeito próprio de tocar, mesmo que você reconheça as influências dele.

Rafael Nery: O mais recente Universo Inverso por sua vez é um álbum calcado no fusion/jazz/música brasileira. Seria esse o Kiko Loureiro atual?

Kiko Loureiro: Não, sempre foi. Eu sempre fui assim. E também sou No Gravity e também sou Angra. Isso não é que eu fiz esse disco e agora estou tocando isso. Não! Só fiz esse disco porque eu sempre toquei isso aí. Quem me conhece, quem já sentou do meu lado quando eu estava tocando violão, ou já veio na minha casa, já tocou comigo… Sabe que eu toco isso há 20 anos, talvez não com a mesma experiência, obviamente que fui aprimorando também, mas eu gosto desse tipo de música e sempre procurei tocar. O Cuca, eu conheço desde antes do Angra, o Sandrinho também, tudo na época que eu ainda estava estudando guitarra, isso significa que eu estava buscando amizade e esse mundo também, por isso que eu chamei de Universo Inverso. Esse universo musical que é outro, que não é do Heavy Metal, Blackmore, Barzinho, Via Funchal, Galeria do Rock. Todo país que a gente vai tem seu Blackmore e sua Galeria do Rock, como no Japão. Esse é um mundo, é um Universo. Têm outros, eu sempre transitei no Universo da música instrumental, só que obviamente eu sempre fui mais rockeiro, e o Angra me levou a presenciar um mundo mais profissional do Rock, mas o gosto pela música brasileira e fusion sempre existiu. Se você um dia viesse na minha casa e visse meus Cd’s, você ia ter a nítida noção que maior parte dos meus Cd’s são de música clássica, de Jazz e música brasileira, porque pra mim sempre foi uma busca. Quanto ao rock, eu estudei e fui descobrindo, mesmo porque o Rock eu ouvia antes, não existia tanto cd na época, tinha mais Vinil, e como eu sempre fui muito curioso eu comprei mais coisa de música que eu não consigo entender, por isso que eu tenho Cd’s de músicas diferentes. É um mundo paralelo ao meu, que sempre existiu. Acho muito bom, justamente pela identidade, eu mesmo tenho que procurar caminhos em que eu, não seja eu, é um segredo para descobrir. Eu me coloco em situações que eu tenho que descobrir um caminho um pouco diferente e o meu jeito de tocar.

Acho que no Universo Inverso, para mim, é super nítido que sou eu tocando ali, por mais que seja outro som de guitarra, outro estilo de música, outra base, outros caras tocando pra mim, meus solos saem mais ou menos iguais os que rolam no Angra. Só as técnicas que mudam um pouco.

Rafael Nery: Como foi o processo de composição e gravação deste álbum? E qual tem sido a aceitação do público do Angra?

Kiko Loureiro: Bom, a aceitação tem sido 100%, porque eu fiz uma coisa despretensiosa por um gosto de vaidade, vaidade de busca. Eu toco isso aqui, as pessoas que me conhecem sempre me perguntavam o porquê de eu não gravar e nem tocar, de mostrar que eu não sou só metaleiro. Quando eu gravei o No Gravity, que tem duas músicas de violão mais brasileiras, várias pessoas falaram que eu deveria fazer um disco só com músicas do gênero. E foi aí que me deu a vontade de correr atrás. Estou indo para um Festival de Jazz na Tunísia, por causa desse Cd, ele acaba abrindo outras portas, eu nunca imaginaria isso há dois anos. Para mim é um sonho realizado. O público do Angra é um público bem aberto, eu diria. Eles perceberam que nós não colocávamos música brasileira por colocar, e sim, porque a gente gosta. Para você colocar um trechinho de música brasileira numa música de Heavy Metal, você tem que conhecer bem a música brasileira.

As composições surgem da mesma forma que surge um Thrash Metal, em momentos e dias diferentes, dependendo do que você está na cabeça, dependendo do que começa a tocar, saí uma coisa mais pop, ou umas coisas com harmonias mais complexas. A grande diferença dos dois tipos de som não é a forma de tocar, é a harmonia que é muito mais complexa e difícil e no Rock é bem limitado. No Angra, até que temos uma harmonia mais sofisticada para Rock, mas é guitarra com distorção, não dá para colocar uns acordes e tal, e pode ficar chato. Tem dias que você começa a tocar uns acordes, buscando caminhos harmônicos que você não ouve, porque de repente, eu fiquei um bom tempo fazendo shows com o Angra tocando os “mi do ré” por muitas horas, então, quando você chega em casa, o primeiro acorde que você não pode tocar é um mi menor, tem que ser qualquer outro. Tem esse balanço, esse equilíbrio na nossa vida, então dependendo da turnê eu chego e vou tocar piano com os acordes mais tortos possíveis e dali pode sair uma música, se sair uma música ou uma ideia musical ela vai ficar guardada. Eu posso adaptar pro Angra ou vai ficar guardada. Assim, começaram a ficar guardadas várias coisas desse som mais brasileiro. Eu tocava muito com o Yaniel Matos, que é um pianista, gosto dele pra caramba como músico e a gente sempre falava de gravar um negócio junto, uns sete anos. E aí foi a hora, juntamos as músicas e a Gravadora do Japão aceitou fazer um disco solo, fusion. Assim a história começou a ficar mais concreta.

A gravação foi a mais simples, uns cinco/seis ensaios, e no estúdio foi todo mundo tocando junto. Foi completamente diferente, por isso que eu achei esse nome do Universo Inverso. As pessoas pensam em música diferente, elas têm um astral e relação com a música diferente, nem para melhor e nem para pior, eu só gosto de viver nos dois mundos. Como no mundo erudita, é mais sério e metódico, e às vezes gostam de tocar em Jazz Sinfônica, ou grupos mais populares para poder às vezes dar uma aliviada. O Heavy Metal também é uma coisa muito dura, e conservadora, por mais que pareça feito por pessoas mais novas, é muito conservador, o som, a harmonia, a melodia, o jeito que faz, a seriedade no trabalho. A música instrumental de improviso é diversão, é tipo jogada, mas é possível fazer umas grandes jogadas sérias, afinal, música é uma coisa séria. O rock é um discurso pronto, você treina aquele discurso, para chegar lá na frente e ler o discurso. O Som do Universo Inverso, esse tipo de som, é um papo com quatro pessoas que tem que ser inteligentes, pro papo ser legal, o papo tem que ser de pessoas que falam bem, que já tem uma bagagem, que já leu muito discurso e já tenha lido muito livro. Então, você não precisa ensaiar para ter um papo bom, é só você ter pessoas inteligentes a sua volta que o papo vai ser bom, esse é o conceito.

Rafael Nery: Qual Banda no Brasil tem te chamado a atenção? Você acredita que as bandas atualmente estão muito presas em fórmulas? Principalmente em estilos como Heavy Metal Melódico, Power Metal e etc.

Kiko Loureiro: É conservador, como falei, ninguém quer mudar. Tem algumas bandas, como o Tuatha de Danann, eles vieram com um som diferente… Celta, se vestem diferentes, tocam flauta, não é à toa que eles se destacaram, não sei como é a aceitação e tal, mas acho muito legal. O Krisiun é a mesma coisa, eles fazem o som deles, sem medo de fazer o que querem fazer. Tem bandas que olham para o Angra e também querem gravar discos no Japão, vão e fazem coisas parecidas com o Angra, aí eles estão em problemas! Não vai pra frente se você não tiver nada de diferente. O próprio fã é conservador pra caramba, todo disco o cara fala “Não sei, prefiro o anterior” e depois de um tempo “Ah! É legal!”. Se você pergunta para o fã o que ele acha, geralmente é uma resposta conservadora.

Como na história do Dream Theater, que o cara mandou o Set List e o pessoal não gostou. O Dream Theater é uma banda que foge um pouco dos conceitos, eles fazem um som instrumental gigante e o fã que gosta disso, deveria aceitar assistir um show com as músicas que eles querem fazer, porque eles já mostraram pelo estilo da banda, que faz a música que quer fazer e não a música que o fã quer ouvir.

Rafael Nery: A respeito do seu equipamento, qual equipamento você usa ao vivo e quem são seus patrocinadores?

Kiko Loureiro: Tem a Tagima que eu conheço desde 1991, ou seja, há muitos anos, tem também as cordas D’addario que eu obviamente estou a menos tempo, mas já conheço a corda e já usei por muitos anos, estou há uns 3 ou 4 anos usando a D’addario e já é patrocínio mesmo, patrocínio com os caras aqui no Brasil ,com a importadora que se chama Musical Express e direto lá com a D’addario, John D’addario e o pessoal da família D’addario, empresa americana de mais de cem anos de idade e uso a corda 0.10, e a Tagima a guitarra minha é K1 que é uma guitarra que eu tenho…

Rafael Nery: No Universo Inverso é uma meio diferente, não é?

Kiko Loureiro: Sim, é diferente no disco! Mas a principal é a K1 que eu uso no Angra e usei desde 1991 quando eu comprei a minha primeira K1 que nem chamava K1. Virou K1 em 2000-2001 quando saiu o modelo K1 com assinatura e tudo mais. No Universo Inverso eu usei aquela Telecaster com corda 0.12 e já é outro estilo e outra guitarra. Também usei uma Strato da Tagima com corda mais pesada, o que acaba te levando a um jeito um pouco diferente de tocar, com outro instrumento, sem alavanca e tudo mais e sai um som mais gordo, nesse som você tem que tirar um pouco de distorção e tocar na raça, na mão mesmo. Os cabos Santo Ângelo que eu conheço o pessoal desde o começo da década de 1990 e sempre usei, tenho cabos dessa época até hoje o que mostra que dura pra caramba. A Zoom eu uso alguma coisa, o Pedal de distorção ou alguma coisa assim no estúdio… Para alguns eventos, não esses muito baratos, esses a gente faz a propaganda pra galera que está começando ou às vezes quando eu fico tocando em casa ou dava aula. Agora estou com um amplificador italiano que eu tenho usando aqui e gostei para caramba que é o Brunetti, não tem no Brasil então pode dar uma olhada no site www.brunetti.it…

Rafael Nery: Você é endorsee desses amplificadores agora?

Kiko Loureiro: É eu estou usando, eu usei na turnê e é conhecido para caramba na Itália, é um negócio mais feito à mão e meio caro, um amplificador mais de boutique na onda desses amplificadores americanos, tipo Soldano e assim, coisa de 4000 dólares um cabeçote, mas muito bom, eu gosto do timbre e é o que eu estou usando agora. Obviamente, dependendo do disco que for ouvir, eu usei amplificadores diferentes. Eu tenho vários amplificadores diferentes assim como guitarras. Tenho várias guitarras, a própria Tagima Strato, o que eu falo é que a K-1 é a que você vê no show, mas na hora do disco que você me perguntou tem muito mais experimentação, se eu for tocar de som limpo eu não vou tocar com K-1, eu vou buscar uma Strato, uma Telecaster ou uma semi acústica, podem ser muitas coisas diferentes e tem outras guitarras que me dão esses sons, até o choral citalle. Eu tenho a que o Steve Vai usa várias vezes e você vai buscando coisas diferentes. Em estúdio, a mesma coisa, em termos de amplificadores e pedais, eu tenho um monte de pedalzinho que no estúdio você pode experimentar. Ao vivo é um negócio mais direto: guitarra, amplificador, um delay e um wah wah é meio que só isso e agora estou usando um whammy também, porque no disco novo do Angra tem uns trechos com whammy, então eu coloquei um. Tem um sistema sem fio da audio technica quando eu uso sem fio. Violão Takamine, onde as pessoas são muito legais comigo e o pessoal da Sono Tech aqui no Brasil que é a importadora e diretamente no Japão, em qualquer gravação ou show do Angra os violões estão presentes tanto em nylon ou aço.

Rafael Nery: E você nunca recebeu proposta de outras marcas? Porque eu lembro de uma época do Holy Land que a guitarra era uma Washburn?

Kiko Loureiro: Sim, claro! É, exatamente, foi na época do Holy Land. Porque assim, tinha uma amizade minha com o Tagima, eu comprei as guitarras do dele porque gostava dele e usava as guitarras porque e nem tinha esse lance de tocar em feira, em 1992, por exemplo, eu toquei pela Zoom, Meteoro e outras marcas. Era o (Seizi) Tagima em si que era um luthier e não um negócio de empresa grande. A Washburn sim, chegou no Brasil e eu conheci os gringos e o Angra já estava crescendo e rolou um lance com a Washburn gringa lá de Chicago até 1997,daí a distribuição no Brasil deu uma diminuída não sei exatamente o que aconteceu e o Tagima veio forte, mudou o esquema lá da empresa do Tagima que é outra história e ele meio que chamou de novo os guitarristas que sempre gostaram da Tagima e sempre usaram: Eu, Edu, Joe Moghabri e o Faíska e para nós foi a coisa mais simples possível só pegar nossa guitarra que sempre gostamos e continuar tocando nela. Então a empresa Tagima começou a crescer e virar algo mais sério de você ver o que rola hoje: um enorme stand na feira, em qualquer loja do Brasil você vê uma Tagima, você me vê fazendo workshop em loja porque eles estão vendendo a guitarra…

Rafael Nery: Acho que a maior marca nacional no momento?

Kiko Loureiro: Sem dúvida, disparado! Se marcar não posso nem te falar, mas com certeza deve vender mais guitarra que muita marca famosa por aí, tipo marca histórica de guitarra…

Rafael Nery: Pelo custo também…

Kiko Loureiro: Pelo custo até que não, essas marcas grandes elas têm guitarras mais baratas, mas sim pela qualidade que a Tagima consegue naquele custo, tem marcas boas aí com Fender e Gibson e etc. Para você pegar uma guitarra de uma marca assim “forte”, acaba sendo um preço mais caro, mas sei lá eu estou meio por fora de preço de guitarra… Mas é realmente, eles conseguiram, e apresentar guitarras boas com modelos exclusivos e de repente você consegue numa cor que você não tem e como eles estão no Brasil e você quer uma guitarra X para canhoto, vermelha eles podem fazer e isso acaba conquistando o público e tem um time de endorsers muito bom! Não é porque todos são meus amigos, mas porque eles tocam muito bem mesmo. Juninho Afram, Marcelo Barbosa, Edu, Arthur Maia no baixo, o Vernon lá nos Estados Unidos, o Marcinho Eiras e tem tanto cara e todo mundo que está lá, Mozart Mello, é só entrar no site da Tagima e ver o time que é só o pessoal que toca muito bem e todo mundo muito formador de opinião. O Mozart aí que foi o melhor professor de todos os tempos, que deu aula para todo mundo que toca guitarra ai em São Paulo e muito pelo Brasil e foi o grande mestre formador de todo mundo, inclusive a mim, agradeço sempre ao Mozart e tantos outros, Arthur Maia, agora na parte de violão está com o Ulisses Rocha que é um grande músico e eu sou grande fã dele, que tem uma grande história e grande carreira, então são caras com uma carreira muito forte e grande. Eduzinho o Joe Moghrabi, um dos primeiros a usar guitarra Tagima.

E tem também a Esp que fez uma guitarra signature minha lá no Japão que é um pouco mais recente, porque saiu esse ano.

Rafael Nery: Falando de Guitarristas atuais, quem tem te chamado a atenção?

Kiko Loureiro: Dos que já estão famosos, que vim a conhecer de uns tempos para cá, tem o Andy Timmons, que já está na estrada faz tempo, mas começou a aparecer como guitarrista solista. Ele era de uma banda, Danger Danger, eu nunca tinha ouvido falar, mas é um puta disco legal, já vi o cara tocando na Feira da Alemanha, bom pra caramba. Tem o Mattias IA Eklundh que é surpreendente o jeito dele tocar. Mas tem vários. Fico ouvindo os caras de violão, o Bireli Lagrene, o Sylvan Luc que é um violonista Francês, que toca com palheta, muito legal. São músicos que tenho ouvido mais recentemente, não que eu ouça direto, só tenho conhecido mais recentemente, mas não são novos de idade. Pra falar de músicos novos de idade, tem a molecada que eu vejo nas feiras tocando e tocam muito bem. Tem o João Millet, sempre que perguntam de guitarristas novos eu me lembro dele. Ele já está com uns 19 anos, e foi aluno meu com uns 15, toca muito bem, um dos maiores talentos aqui no Brasil. De resto o pessoal conhece, os guitarristas que estão aí, mas agora não estou me lembrando! Apesar de que renova pouco! Eu vejo que se você pegar todos, esse pessoal endorsers da Tagima, que eu falei e ainda tem o Flávio Gutok e tal, de todos que estão ali, eu devo ser um dos mais novos. É todo mundo com 30 e tantos anos, então isso mostra que não renova. Tem o Rafinha lá que é um pouco mais novo, mas a galera é um pessoal que já está na estrada faz muito tempo. Eu não vejo os caras de 20 e poucos anos, não tanto quanto eu via nas feiras quando eu tinha essa idade. Tocando mesmo, empregado, contratado, tocando todo dia, não vejo muito e não sei o porquê! Não sei se a galera está muito no Orkut, e está tocando menos guitarra e está correndo menos atrás. Porque não basta só tocar, tem que correr atrás, falar com as pessoas, contatos e etc… Tem todo um segredo para essa história toda acontecer, muito esforço e não só na guitarra. A guitarra é o primeiro esforço, você pode falar pra caramba com quem você quiser, mas se você chegar e não tocar razoavelmente bem… Não adianta nada! Mas se você tocar bem e não falar com as pessoas, e as pessoas não souberem que você está tocando bem e que você quer tocar, que você é um cara que elas podem confiar e que vai chegar na hora e vai estar com um som legal e vai saber falar com as pessoas e vai ser um negócio legal pra marca delas ou pro Bar, o que seja, se as pessoas não souberem disso, o cara não vai sair de casa. Então o cara tem que fazer todo um marketing extra né. Agora, o cara só toca em casa e depois entra no Orkut… aí ele está em uma situação complicada! Não sei se é isso, mas talvez seja um pouco disso. De não haver uma renovação, ou a gente estar em um time da Tagima com tipos uns três caras de 20 anos e nós de uns 35, junto com Mozart Mello e caras um pouco mais velhos, de outra geração, entendeu? Não vejo muito essas três gerações.

Rafael Nery: Você recentemente recebeu o prêmio de melhor guitarrista do mundo, como você encara isso? Você acredita que com isso você pode estar mais perto de um G3?

Kiko Loureiro: Não, uma coisa não tem nada a ver com a outra, na realidade. Primeiro que não tem esse negócio de melhor ou pior. Eu imagino que isso aí é tipo aquelas pesquisas top of mind, “Quem você lembra quando você fala de guitarra agora”, aí o pessoal vota “Kiko”. Eles não falam que votam porque eu toco mais que Steve Vai, claro que não! Se fosse uma pergunta, “Você acha que o Kiko toca mais que o Steve Vai”, talvez fosse diferente, ou “Mais que o Van Halen”, entendeu? Aí eu não sei como seria. Daí quando o cara pergunta, “Quem foi, nesse ano que passou, o melhor guitarrista?”, vai quem está na mente, quer dizer, quem estava trabalhando, a gente tem que ver isso aí. Eu sou bem assim, bem pé no chão, não é que você é melhor, a gente tem consciência do que toca, eu procuro ter essa consciência sempre, do que toco e do que eu ainda posso tocar e se ainda busco alguma coisa eu sei que não posso ser eleito o melhor, mesmo porque os guitarristas que eu acho que são melhores, eles não estão nem nos 30 primeiros colocados. Então isso é outra questão. Mas é muito legal, fiquei feliz pra caramba quando a pessoa veio me dar à notícia, porque eu fui dar uma entrevista específica que não estava marcada e eu nem sabia o porquê de dar aquela entrevista. E quando foi na entrevista a pessoa falou “Você ganhou como melhor guitarrista”, o que é muito difícil, porque aqui só ganham os guitarristas… Tipo Ritchie Blackmore, o Slash, Zakk Wylde… “Você ganhou, e o que você acha disso?”. Aí eu levei um susto mesmo, achei legal, depois falei muito legal. Muito por causa do CD do Angra e muito pelo Universo Inverso, que deu muito resultado lá no Japão e mostrou tipo “O Kiko toca outras coisas”, mostrou um pouco por aí, então esse embasamento do tipo “O cara deve saber então”, devo ter criado essas coisas na cabeça das pessoas, sabe? E o cara conhece outros estilos, então isso é bom. Quanto ao G3, isso não tem nada a ver, tinha que ter um nome ali com o Satriani, se não tiver…Ele é o patrão ali. E tem o lance de ser americano, tem o negócio do americano não olhar para fora, o americano olha muito para dentro, olha para quem está dentro dos Estados Unidos, se você olhar para quem está dentro dos Estados Unidos, você vai ver que tem muitos guitarristas que não passam pro G3, que tem que passar e vai passar! O Paul Gilbert está agora, e ainda falo, o Van Halen não foi lá, o Zakk Wylde, o Steve Morse e posso falar mais trezentos que não foram para o G3 ainda, que podem estar lá. Seria muito legal tocar no G3 que tem uma grande projeção e tocaria com grandes músicos. Mas eu fico feliz de estar tocando com os grandes músicos que existem aqui no Brasil, que são até muitas vezes melhores que os caras do G3, só que não são tão famosos e nem tão ricos, mas aqui no Brasil tem muitos músicos bons e a gente não pode ficar falando. Seria bom tocar com os caras do G3? Seria bom mesmo, mas se a gente puder tocar com Arismar do Espírito Santo, tocar do lado do Mozart, do Faísca, são caras tão bons quanto… Entendeu? Então, eu tenho isso como meta, tocar para aprender. Você toca com outros músicos para aprender, mais do que para qualquer outra coisa. Quando você tem a música como principal coisa da sua vida, você quer aprender, você quer saber mais sobre aquilo que você mais gosta. Então, se eu tocasse com o Satriani seria um grande aprendizado. Mas tocar com o Arismar, Michel Leme, o Faísca, com o Joe Moghabri, também é semelhante. Quem sabe… Quem sabe um dia. A gente pode fazer um G3 brasileiro também. Um G3 tupiniquim!

Rafael Nery: Você já é um guitarrista conceituado em todo o mundo, o que mais você pretende alcançar em sua carreira?

Kiko Loureiro: Em termos de carreira eu fico feliz com as coisas que vão acontecendo aos poucos, como eu falei de ir para um Festival na Tunísia agora, um Festival de Jazz… Isso é muito legal. Em países que eu nunca imaginei. Acabei de voltar de um Workshop na Grécia, que foi bom pra caramba. Na Eslovênia, que eu nunca imaginei. Fomos com o Angra para Moscou e tinham muitos fãs lá. Essa votação feita lá no Japão, de melhor guitarrista na frente de tantos ídolos lá. Essas coisas vão acontecendo. A cada dia que passa você quer descobrir, aprender, fazer, gravar músicas diferentes. Você continua fazendo, não tem aquela sensação de “estou saciado”… Eu não tenho essa sensação. Nos últimos dois anos, eu atingi mais do que eu imaginava e de quando eu era mais novo, eu nunca imaginei atingir o que eu atingi hoje. Mas já que eu estou aqui, por que não sonhar em tocar em outros lugares, conhecer outras culturas, porque o grande aprendizado de tudo isso é conhecer outras pessoas de outros países, de outras culturas, ter outras oportunidades, se colocar em situações difíceis. Para mim, vai ser uma situação difícil tocar em um festival de Jazz, muita responsabilidade. Eu fiz o Festival de Jazz de Belém, eu fiz o de Cascavel, e já é difícil porque eu não sou jazzista, e fazer de um outro país é mais difícil ainda e isso é o legal da coisa, ficar buscando desafios.

Rafael Nery: Obrigado Pela Oportunidade, Kiko! Por favor, deixe uma mensagem aos visitantes do Guitar Clinic.

Kiko Loureiro: Espero que gostem da entrevista, e todo esse lance de estar viajando e estar conquistando esse tipo de coisa, tocando guitarra, sendo brasileiro, tocando fora, que isso sirva de incentivo para todo mundo. Que ser capa de uma revista lá no Japão, isso não é possível só para Americanos e nem para Inglês, é também para o Brasileiro. Se eu fui, qualquer um daqui também pode estar lá, basta tocar, estudar bastante e se dedicar à música. Isso é o mais importante. Não teve ninguém que me pagou e nem sou filho de ninguém que me bancou e nem nada do gênero, eu só fiquei tocando guitarra no meu quarto, várias horas por dia e quando eu coloquei a cara para fora, as coisas começaram a acontecer e eu nunca desisti no meio do caminho. Isso é o principal para a galera que toca guitarra e tem o Brasil inteiro para tocar, para fazer acontecer e o Mundo inteiro também. Se eu estou conquistando as coisas, acho que todo mundo pode, todo mundo tem o mesmo espaço pra conquistar muito mais. Um grande abraço para todos!

Website: www.kikoloureiro.com.br

Kiko autorizou o uso das fotos.

Rafael Nery

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